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Foto do escritorFlavia Quintanilha

Nau à deriva

Um do hoje e dois para amanhã


Morda seu naco e saia! A vida não se limita ao virtual, mas a alma humana é frágil e disposta ao calabouço. Quanto mais nos entregamos ao instagramável, menor é nossa capacidade crítica.


Antes de continuar quero deixar expresso que toda narrativa tem várias versões. Esta é apenas uma versão fictícia da falta.


Todo ser carrega em si uma fome, um desejo, uma espécie de buraco que se realiza pela falta. O grito da prece que suplica aplacar esta busca, pode ser ecoada de diversas maneiras: comida, sexo, fama que muitas vezes se confunde pelo reconhecimento. Os dias passam e buscamos numa alucinada ânsia, que percorre da montanha ao mar, o contentamento. Durante a busca cegamos. Oramos em templos, construímos igrejas, cantamos o amor sem que ele esteja, registramos o olhar ora novidadeiro, ora cansado perseguindo o destino. Entre todas as buscas, a que mais me espanta é a da vaidade. Deslumbramos pelo que não existe. Corremos para estar na fila mais à frente, para pegar o autógrafo, a foto, a migalha do pedaço de quem nos despreza e vive pelo nosso dinheiro. Nos transformamos em fãs com mais rapidez que nos limpamos após usarmos a latrina. Afinal de contas, se a vida é só trapaça, não esperemos pelo pé que nos dará a rasteira. Sejamos o pé da rasteira, o chão que receberá o corpo na queda. A busca pelo olho furado, a perna de pau do pirata. Durante esta frenética corrida, apunhalamos os iguais e a verdade vai atirada em balde com os catarros.


Corpos desmemoriados seguem, porto em porto, morrendo sem tear o fio da história de quem realiza. Sem amor, quebramos os fios que nos une e nos lançamos fora do tempo, naufrágio em naufrágio.


Um talento incontestável em admirar e adorar. Sem felicidade, pois a felicidade fake que vemos pela tela já supre a contagem das nuvens. Fazer acontecer o sonho do outro é um grande quesito despercebido da felicidade. Não podemos. Estamos à disposição. Nem a esperança é capaz de amar aquela pessoa que subjuga sua própria existência.


Agora seria o momento para chamar um filósofo, aprofundar a crítica em conceitos meticulosamente ordenados para um final apoteótico. Mas hoje não terá. Hoje impera o falatório medíocre de quem tem levado topada em todos os salões, pelos quais já foram quebrados os saltos e a barra do vestido está enlameada. É impossível passar por uma tempestade pela floresta sem que se saia salpicado de lama. É o espirro que nos lembra que não há a perfeição, não há a pureza. Há somente as partes que disso se cria, rapaz. Nada disso te acalenta, menina. Há somente o momento e a escolha que nos impele neste espaço.


O coro daqueles com os polegares virados para o chão é maioria.

A submissão daqueles que buscam a lasca da fama é vergonhosa maioria.


Há pouco espaço para quem leva o estandarte.


Brindem com taças de plástico e vinho avinagrado, o gramado é sintético e não há para onde fugir na time-line.


Deixe a poeta deitar no sofá da amante preparada para não acordar.


“Sofra comigo.”


[…]

eu quero ficar só

onde não haja terra

onde não haja espaço


destruir este monte de minerais

com a única finalidade

de destruir este monte de minerais


eu conheço tua história

eu compreendo tua história

a história da vida que não existe

você se chama gênio

você se chama poeta

mas eu sei que você não existe

você segue a mesma escada sem degraus que eu sigo


sacrifício da lama no meu altar

e acendi o fogo no meu altar

e ali foi botado o que tinha

a fé

a ciência

os sentidos

a mãe

a mulher

[…]


poema e citação de Pagu (Patrícia Galvão)



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