Um do hoje e dois para amanhã
Morda seu naco e saia! A vida não se limita ao virtual, mas a alma humana é frágil e disposta ao calabouço. Quanto mais nos entregamos ao instagramável, menor é nossa capacidade crítica.
Antes de continuar quero deixar expresso que toda narrativa tem várias versões. Esta é apenas uma versão fictícia da falta.
Todo ser carrega em si uma fome, um desejo, uma espécie de buraco que se realiza pela falta. O grito da prece que suplica aplacar esta busca, pode ser ecoada de diversas maneiras: comida, sexo, fama que muitas vezes se confunde pelo reconhecimento. Os dias passam e buscamos numa alucinada ânsia, que percorre da montanha ao mar, o contentamento. Durante a busca cegamos. Oramos em templos, construímos igrejas, cantamos o amor sem que ele esteja, registramos o olhar ora novidadeiro, ora cansado perseguindo o destino. Entre todas as buscas, a que mais me espanta é a da vaidade. Deslumbramos pelo que não existe. Corremos para estar na fila mais à frente, para pegar o autógrafo, a foto, a migalha do pedaço de quem nos despreza e vive pelo nosso dinheiro. Nos transformamos em fãs com mais rapidez que nos limpamos após usarmos a latrina. Afinal de contas, se a vida é só trapaça, não esperemos pelo pé que nos dará a rasteira. Sejamos o pé da rasteira, o chão que receberá o corpo na queda. A busca pelo olho furado, a perna de pau do pirata. Durante esta frenética corrida, apunhalamos os iguais e a verdade vai atirada em balde com os catarros.
Corpos desmemoriados seguem, porto em porto, morrendo sem tear o fio da história de quem realiza. Sem amor, quebramos os fios que nos une e nos lançamos fora do tempo, naufrágio em naufrágio.
Um talento incontestável em admirar e adorar. Sem felicidade, pois a felicidade fake que vemos pela tela já supre a contagem das nuvens. Fazer acontecer o sonho do outro é um grande quesito despercebido da felicidade. Não podemos. Estamos à disposição. Nem a esperança é capaz de amar aquela pessoa que subjuga sua própria existência.
Agora seria o momento para chamar um filósofo, aprofundar a crítica em conceitos meticulosamente ordenados para um final apoteótico. Mas hoje não terá. Hoje impera o falatório medíocre de quem tem levado topada em todos os salões, pelos quais já foram quebrados os saltos e a barra do vestido está enlameada. É impossível passar por uma tempestade pela floresta sem que se saia salpicado de lama. É o espirro que nos lembra que não há a perfeição, não há a pureza. Há somente as partes que disso se cria, rapaz. Nada disso te acalenta, menina. Há somente o momento e a escolha que nos impele neste espaço.
O coro daqueles com os polegares virados para o chão é maioria.
A submissão daqueles que buscam a lasca da fama é vergonhosa maioria.
Há pouco espaço para quem leva o estandarte.
Brindem com taças de plástico e vinho avinagrado, o gramado é sintético e não há para onde fugir na time-line.
Deixe a poeta deitar no sofá da amante preparada para não acordar.
“Sofra comigo.”
[…]
eu quero ficar só
onde não haja terra
onde não haja espaço
destruir este monte de minerais
com a única finalidade
de destruir este monte de minerais
eu conheço tua história
eu compreendo tua história
a história da vida que não existe
você se chama gênio
você se chama poeta
mas eu sei que você não existe
você segue a mesma escada sem degraus que eu sigo
sacrifício da lama no meu altar
e acendi o fogo no meu altar
e ali foi botado o que tinha
a fé
a ciência
os sentidos
a mãe
a mulher
[…]
poema e citação de Pagu (Patrícia Galvão)
Comments