Sou uma leitora apaixonada por Italo Calvino e concordo com o meu mestre quando diz: “nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão”. Em suma, a minha leitura do livro de Flávia Ferrari jamais substituirá a leitura da sua obra de criação, mas se oferece como uma pequena contribuição para pontuar um dos aspectos mais importantes no debate sobre a literatura feminina contemporânea: o amor e seus deslocamentos. Oxalá, a poeta Flávia Ferrari se inscreva em um modelo de clássico elencado por Calvino: “um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”.
1. O que é ficção
Em É tudo ficção, Flávia Ferrari coloca como título, em centralidade, uma questão de grande importância para a compreensão da comunicação poética: a poesia é um ser de linguagem. A perspectiva poética sobre o mundo nos é apresentada na ABERTURA:
EXAME
É tudo ficção
A lembrança da morte
A colheita da carne
O pensamento repetido
O conhecimento de si
É tudo ficção
O prazer imaginado
A saída notada
A fonte de emergência
A espera prazerosa
É tudo ficção
A raiz exposta
A persistência
O desenho permanente
A luz da vela
É tudo ficção
A garantia do voto
O descanso após a conquista
O bom senso comum
A interpretação sã da história vivida
Sob o bordado
A pele quase lisa e cicatrizada
É também ficção
(FERRARI, 2022, p.10-11)
A enumeração das imagens convoca o leitor à deserção dos contextos práticos discursivos e o encaminha para uma relação mediada pelo olhar e pelo tato, uma imersão ficcional com o mundo. No contexto de comunicação poética, Ferrari nos atiça à luta contra a automatização da linguagem. A ficcionalidade da literatura separa a linguagem de outros contextos nos quais ela poderia ser usada e deixa a relação da obra com o mundo aberta à interpretação. A função estética da linguagem, portanto, poderia estar conceituada a partir de questões como os níveis suplementares de organização linguística, a deserção de contextos práticos discursivos e a relação ficcional com o mundo.
Interessante ressaltar que, a despeito de outros contextos de fala, os leitores do texto literário lutam para interpretar elementos que zombam dos princípios de comunicação eficiente no interesse de alguma outra meta comunicativa. E muitos dos traços da literatura advêm da disposição dos leitores de prestar atenção, de explorar incertezas e não perguntar de imediato “o que você quer dizer com isso?”. O nosso olhar deve estar voltado, sobretudo, para a organização de sua linguagem, não lê-la como a expressão da psique de seu autor ou como o reflexo da sociedade que a produziu.
Sobre os vieses da ficcionalidade, encontramos sequências que nos lembram dos textos teatral ou romanesco. Logo no início, a forma composicional do livro, que se subtrai ao arranjo convencional dos paratextos1, apresentação, dedicatória, abertura já são arranjos linguísticos com a predominância da função poética:
APRESENTAÇÃO
Este livro, como espetáculo, não requer maiores apresentações. Introduzi-lo é inútil. É inútil, ainda, qualquer enunciação inicial. Não há nada a ser dito, antecipadamente. Portanto, limito-me ao ato de pedir que desliguem os celulares. Fumar é permitido! A saída de emergência encontra-se no final.
DEDICATÓRIA
Espera-se da vida que seja inteira
De tempo de experiências de encontros e sentimentos
Há que se construir histórias memórias projetos e
cultivar a continuidade
Ao final é curta até a mais longa vida humana
Há poemas que não se extinguem
O difícil é encontrá-los
Outra questão importante é o valor. Para o filósofo Kant e outros teóricos, os objetos estéticos “têm uma finalidade sem fim”: a finalidade possível reside em sua construção. Orquestrados em suas partes, operam com um fim que é a própria obra de arte. O prazer ou a dor ocasionados na e pela obra não tem nenhum propósito externo, tal com informar ou persuadir.
Sobre a temporalidade, é preciso compreender que o tempo é o tempo do poema, elemento que acontece no mundo ficcional das ações, o eu que aparece também é ficcional; refere-se ao falante do poema, que pode ser bem diferente do indivíduo empírico que escreveu o poema. A referência ao mundo não é tanto uma propriedade das obras literárias quanto uma função que lhes é conferida pela interpretação.
AMPULHETA
Descobri muito cedo a ampulheta
Invólucro de um tempo qualquer
Ordinária e persistente
Que me convida ao foco
Ato raro de obediência
Frágeis grãos de desamparo
Melhor seria deixarmo-nos cair
Até sermos amortecidos pela terra
E incorporados a toda neblina de poeira
Efêmera e despretensiosa
Que se espalha sem contar do tempo
(FERRARI, 2022, p. 25).
Outro critério de diferenciação encontra-se no caráter autorreflexivo e intertextual da literatura. Segundo algumas concepções teóricas, as obras literárias são feitas a partir de outras obras, as quais são retomadas, repetidas, contestadas e transformadas. Uma obra existe em meio a outros textos, através das suas relações com eles.
DESAMOR DE POETAS
Três ou quatro linhas e quase desisto
Não me dou ao trabalho e vai assim mesmo
Quero um elogio seu
Ainda que não mereça
Mas esses elogios sempre me parecem falsos
Como você tem medo de mim inventa essas
palavras virtuosas
E exagera e mente
Finjo que fico feliz porque também tenho
medo de você
E cada vez que penso do que você seria capaz
Amplio minhas ideias de fazer pior
Fui me tornando assim monstruosa
Potencialmente
E nos digladiamos silenciosamente
Eu digo que sou poeta e vou disfarçando
Você diz que os outros é que te dizem poeta
Mas se repararmos bem
Todos esses poemas que escrevemos
Não dizem nada de relevante
Meu plano é jogar fora tudo o que você já escreveu
Se penso ser capaz de fazer isso
Certeza que você já pensou em fazer coisa pior
E passo a noite acordada pensando o que seria
(FERRARI, 2022, p. 63-64)
Retomando as questões sobre a o valor e a função da literatura, o livro de Ferrari, ainda que circulando em meios de comunicação de massa, nega-se a uma importância prática óbvia. Ao contrário, a relação entre a forma e o conteúdo busca, em Amor de Poetas, fornecer matéria de reflexão sobre a própria linguagem, ou seja, pelas palavras, suas relações umas com as outras, e suas implicações e particular interesse em como o que é dito se relaciona com a maneira como é dito. Em outras palavras, literatura é linguagem organizada para atrair a atenção para a própria estrutura linguística.
O livro de Flávia Ferrari nos instiga a problematizar essas questões em um mundo que ficção e realidade estão submetidas às formas avassaladoras da tecnociência. A autorreflexividade nos coloca face a face com os problemas e possibilidades de representar, dar forma e sentido à experiência.
FASCINAÇÃO
Esta bendita brasa
Que não se apaga e não incendeia
Que me prende a esta inquietação
permanente
Porque me deixa encantada
E não consigo parar de olhar
(...)
(FERRARI, 2022, p.49-50)
Em Fascinação o diálogo intertextual é com o Amor é fogo que arde sem se ver, clássico de Camões, que confirma os fluxos da sensualidade ardente e avança na forma dos versos livres. Os enlevos do amor estão presentes nesse poema, a materialidade é perseguida com o rubor da amante apaixonada: calor e brasa queimam o corpo desejoso do eu lírico e o remete ao erotismo.
2. Casa: infinito particular
Na composição da edificação das imagens expandidas da CASA no livro de Ferrari, observamos fina sintonia com a Poética do espaço, de Gaston Bachelard. O filósofo apresenta a casa como um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade. Constrói uma ideia de casa que diverge da noção de um objeto, apresenta uma reflexão sobre as relações simbólicas pelos trilhos da relação realidade e imaginação, na concepção de um ideário fenomenológico. Para ele, as nuanças de nosso apego a um lugar predileto não são colorações superficiais suplementares. É necessário dizer como habitamos o nosso espaço vital em conformidade com as dialéticas da vida, como nos enraizamos, cotidianamente, “num canto do mundo”.
Porque a casa é o nosso canto do mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a acepção do termo. (BACHELARD, 1993, p. 24)
Destacam-se, nesses trilhos, as relações oníricas que simbolicamente transcendem os espaços físico e material, normalmente pensados em seus predicados utilitários, e nos leva a interpretar a ideia de que “todo espaço verdadeiramente habitado traz a essência da noção de casa” (1993, p. 25). Interessa-nos muito a fala de Bachelard quando afirma que na mais interminável das dialéticas, o ser abrigado sensibiliza os limites de seu abrigo. Vive a casa em sua realidade e em sua virtualidade, por meio do pensamento e do sonho.
É nessa forma expandida da simbologia da casa que nos orientamos para interpretar os sentidos enunciativos da poesia de Ferrari: paredes, janelas, coxia, cômodos, abrigos, aposentos, refúgio – elementos de unificação e integração do homem frente ao mundo de dispersão dos sonhos, das lembranças e do pensamento; avassalados por inundações de imagens exteriores e pelo medo da morte, enlutados por perdas de entes queridos. Ao mirar os sentidos da experiência, na lista de poemas, dividida em tópicos, encontramos: 3) CENÁRIO: Casa, Paredes, Entre nós.
CASA
Há três segredos
A tela vazia pintada pela mão
A porta de entrada
O vaso de antúrios
Há três lembranças
O primeiro gole da última garrafa
Os livros que foram levados e nunca devolvidos
O cachorro que latia na casa ao lado
Não há mais nada a ser mencionado
A memória virou esse lugar apertado
Triste e que não pode ser narrado
Preenchido por uma melancolia morna e silenciosa
A espera consumiu os objetos
A água encharcou todos os papéis
A casa tornou-se um espaço vazio
Terreno submerso
Sem lugar de onde partir ou para onde ir
Caminho dentro de uma cidade caótica
Mas essencialmente reconhecível
Onde alguns “manifestantes” continuam semivivos
Conectados por aparelhos
A minha saudade é um borrão no pensamento
Não sei por onde sofro e nem onde dói
Espero o tempo e aceito o destino
Agora estou só
(FERRARI, 2022, p. 14)
A casa é geralmente o lugar onde se congregam os afetos e desafetos, por isso o mais triste lugar da despedida. É depositária dos íntimos objetos, da confiança, dos cheiros, dos resquícios e das fases importantes da vida. Isso nos parece afirmativo até quando nos referimos à casa dos nossos vizinhos. Assim ela retorna antitética no cubículo da memória, contemplada pela saudade que se pronuncia de forma gradativa e sutil, para no final se expor como um borrão no pensamento, como uma imagem síntese, aludida em todos escaninhos dos versos ritmados pela melancolia.
Esse espaço se expande no jogo de antítese, figura de grande predileção da poeta Ferrari, para nos aproximar da inextrincável teia dos opostos complementares, que acossam os sentimentos. A cidade, os espaços públicos se tornaram prolongamentos da casa abandonada. O eu lírico se encontra no labirinto sem lugar de onde partir ou para onde ir, a ordem do reconhecível é o caos, onde poucos se manifestam semivivos, conectados à tela programada dos aparelhos. No final do poema, a saudade e a impossibilidade de reatar qualquer tipo de vínculo com os espaços de pertencimento, dão lugar à solidão, essa é a moradora que habita o vasto terreno baldio em que se transformou a casa subjetiva do eu lírico.
Bachelard esclarece que não é apenas em sua positividade que a casa é verdadeiramente vivida, não são somente nos momentos presentes que reconhecemos os seus benefícios. Os verdadeiros bem-estares têm um passado; a antiga locução: “Levamos para a casa nova nossos deuses domésticos” tem mil variantes (BACHELARD, 1994, p. 25). E o devaneio se aprofunda de tal modo que, para o sonhador do lar, um âmbito imemorial se abre para além da mais antiga memória. A casa, como o fogo, a água, nos permitirá evocar luzes fugidias de devaneio que iluminam a síntese do imemorial com a lembrança.
ARREBENTAÇÃO
Demorei para notar a chegada da onda
Que inundou a casa
Encobriu o telhado
Entrou pelas janelas
Por baixo das portas
Encontrou pelas fissuras tudo o que estava
guardado
Atingiu os tecidos
Perfurou os lugares intocados
(...)
Mas em alguns momentos
Quando a memória não basta
Eu encontro no chão e nas paredes
O toque rígido e frio de que preciso
Quando meus lábios ainda conseguem sentir o
gosto do sal
Com toda a fúria do que não é de mentira
(FERRARI, 2023, p. 34)
Nessa região longínqua, memória e imaginação não se deixam dissociar, ambas trabalham para aprofundamento recíproco e constituem, na ordem dos valores, uma união da lembrança com a imagem. De tal modo, a casa não vive somente no dia a dia, mas no curso de uma história, na narrativa de nossa história. Pelos sonhos, as diversas moradas de nossa vida se interpenetram e guardam os tesouros dos dias antigos. Por outro lado, a casa possui espaços que representam o refúgio das emoções – paredes, sótão, porão, corredores – que são desvendados pelo estudo psicológico sistemático dos lugares físicos da nossa vida íntima.
PAREDES
As paredes são esteiras puídas
Onde corpos se amaram e adormeceram ao sol
São os pratos que permaneceram intactos
Os degraus gastos pelo peso do tempo
O limite entre o segredo e a fantasia
O espaço preenchido que nos é imperceptível
A casca que protege o abrigo ilusório
A separação cotidiana da vergonha e da prece
Esse silêncio que emana das paredes
É reflexo da angústia recíproca
De jamais poder abraçá-las
(FERRARI, 2022, p. 17)
O resultado está na representação da casa como ordenação de imagens que a torna um ser vertical, muito ligada à ideia de consciência ou, por outro lado, a imagem da casa como um ser concentrado em que se enfatiza a “consciência de centralidade”. Esse mundo simbólico funde elementos do eu lírico a espaços que transcendem o material e acenam para representações arquetípicas junguianas. Trata-se não apenas do consciente, mas das relações entre espaço e inconsciente, em que a leitura da realidade transcende para camadas psicológicas que denotam e conotam informações cruzadas sobre a relação entre o ser e o espaço.
Bachelard oferece-nos reflexões importantes para a interpretação de poemas que situam o lirismo numa relação estreita com as dimensões metafóricas da casa e as ambivalências dos seres ali representados. O espaço adquire o caráter de poética ao estabelecer relações simbólicas que envolvem os dramas e aspirações dos seres em seus espaços habitáveis ou desejados, sonhados.
HORIZONTE
Do lado de fora há qualquer coisa de admirável
Do lado de dentro somente paredes nuas
Sinto fome enquanto devoro páginas
A mala de viagem permanece pronta
Falta o destino o motivo e o movimento
As viagens são as telas borradas do meu quarto de pintura
Algumas vezes incendiado mas sempre restaurado
Porque minhas ideias agem enquanto espero
O que me deixa imergida na loucura
A mala de viagem vazia já não me serve
(...)
Venha meu amor
Algo nos espera longe
O tempo abriu e a janela está escancarada
Em algum lugar conseguiremos avistar a vida
(FERRARI, 2022, p20-21)
São os poetas e escritores que nos levam a refletir sobre a diversidade de imagens associadas à memória, à infância, à passagem do tempo e à precariedade do mundo de representações. O canto nos leva à tomada de consciência frente ao universo e à significação da vida, a partir de pequenos olhares sobre espaços dos detalhes e da simplicidade. Por outro lado, a imensidão reflete uma busca existencial numa espécie de meditação exaltada, cuja transação da espacialidade poética produz infinitos particulares, em buscas de grandezas relativas. É nessa tentativa de compreensão de espaços, pela via de uma poética, que se chega a uma noção mais amplificada dessas relações e as aproximam das reflexões filosóficas e psicanalíticas e que buscam na imagética e na fenomenologia os alicerces para as complexas relações entre o homem e o espaço.
3. O EROS INSUBMISSO
ADEUS
Eu não vivo sem os excessos
Preciso que a água ferva
Para sentir que há algum calor
E que digas eu te amo mil vezes
Para que ouça algo do teu amor
Essa minha ávida dependência do exagero
Torna tudo tão pouco e abreviado
E por isso vivo entre as casas
Deixo as portas escancaradas
Driblo o sono e ignoro o hábito
Em um permanente movimento
(...)
Desejando que todo o sonho imaginado
Seja realizável antes do anoitecer
Encaro a morte ansiosamente
Porque sinto que o tempo já se esgota
E que necessito me despedir desde o minuto que já passou
(FERRARI, 2022, p.27)
É no jogo de antíteses e hipérboles que a função poética se afirma nos versos de Ferrari, tensão permanente entre desejo pulsante e finitude. A luta contra a inércia leva à exaustão. Amar é urgente e necessário. Em É tudo ficção o discurso amoroso está presente em toda a sua ambivalência e necessidade de afirmação, que é o seu lugar. A atualidade da citação de Roland Barthes nos surpreende.
(...) o discurso amoroso é hoje em dia de uma extrema solidão. Este discurso talvez seja falado por milhares de pessoas (quem sabe?), mas não é sustentado por ninguém; foi completamente abandonado pelas linguagens circunvizinhas: ou ignorado, depreciado, ironizados por elas, excluído não somente do poder, mas também dos seus mecanismos (ciências, conhecimentos, artes) . Quando um discurso é dessa maneira levado por sua própria força à deriva do inatual, banido de todo o espírito gregário, só lhe resta ser o lugar, por mais exíguo que seja, de uma afirmação. (BARTHES, 1981, p. 7)
Esta afirmação é o tema fundamental que perpassa as metáforas da casa e suas adjacências no livro de Ferrari. A literatura feminina está carregada de enunciados poéticos que associam a intimidade aos espaços físicos da casa e suas adjacências à relação amorosa. Assim compreendida, a casa configura um corpo de imagens que dão ao indivíduo razões e ilusões de estabilidade, constância. É preciso reinventar constantemente sua realidade: distinguir suas possíveis imagens é perseguir a alma da casa; perseguir uma psicologia da casa. Perseguir a alma da casa é perscrutar com atenção aquilo que está implícito ou explícito em todo livro: o discurso amoroso que vela-desvela-vela as intimidades da casa.
Octavio Paz, no imprescindível livro A dupla chama: amor e erotismo, será a partir de agora o nosso astrolábio para acessar as constelações acesas nos poemas de Ferrari. A poeta paulista nos comove e sobressalta quando afirma que a experiência com a poesia é a mesma que experimentamos no sonho e no encontro erótico: tanto nos sonhos como no ato sexual o eu poético abraça fantasmas, ausências, reminiscências.
O TAMANHO DAS COISAS
uma memória pode ser maior que o vento
e mesmo quando surge com todo o seu domínio
é ainda menor que o meu amor presente
o tecido que me envolve
e que agora se desmancha na fúria da sua luz
já nos embrulhou em nossas fugas
das histórias ruins que repartimos
e acatou os segredos que soubemos oferecer
esses pontos que foram se soltando
e que antes entrelaçavam as banalidades e as aventuras e o pacto
foram alterando toda a estrutura
tivemos que nos arrancar de nós
agora que há tão pouco aqui comigo
e mesmo tirando tudo o que persiste
eu não consigo me escapar
nem no momento de maior aflição
desejei não ter vivido nossa verdade
mesmo que jamais consiga fazer parar
prometo que não escreverei mais
assim diretamente
saber-me invasiva da sua nova vida
agora me constrange
e me encerra aqui
neste ponto exato
de onde não haverá partida
(FERRARI, 2022, p.70)
Embora nosso parceiro tenha corpo, nome e face, na sua realidade, precisamente no momento mais intenso do abraço, acontece a dispersão em ondas de sensações que inexoravelmente se dissipam. A pergunta que insiste em não se calar está sempre ecoando pelas bocas dos apaixonados, porque guarda em si o mistério erótico: quem é você? Não é possível obter a resposta, porque os sentidos são e não são deste mundo. É a poesia, por meio deles, que ergue uma ponte entre o ver e o crer. Por essa ponte transita a imaginação, por ela ganha corpo e os corpos se convertem em imagens.
Octavio Paz faz uma profícua relação entre erotismo e poesia. Segundo ele, o erotismo é uma poética corporal e a poesia é uma erótica verbal. Os dois são compostos de uma oposição complementar. A linguagem – som que emite sentido, traço material que denota ideias corpóreas – é capaz de dar nome ao mais fugaz e evanescente: a sensação; por sua vez, o erotismo não é mera sexualidade animal – é cerimônia, representação.
PARTIR
Eu queria uma grande paixão
Para ocupar o peito
Preencher os dias
Embalar o sono
Esquecer a lida
Eu queria uma paixão qualquer
Mulher homem bicho livro
Para escamotear as aflições
Encontrar a vida
Adormecer os mortos
Eu queria uma paixão momentânea
Que fizesse pulsar os ouvidos
Calar a pergunta
Animar as mãos
Brilhar os lábios
Eu queria acabar com esta sensação
De que sempre há algo esquecido
Seja palavra ou coisa ou gesto
Esta falta insistente que não tem letra
Eu queria
(FERRARI, 2022, p. 37-38)
É a imagem do Eros insubordinado que se afirma em insubmissas configurações: amor e o erotismo que sustentam a edificação inteira! Entre as possibilidades da interpretação da subjetividade lírica, o eu faz uso do paralelismo para enfatizar a potência da pulsão de vida contra a alienação do prosaísmo ordinário: os dias, o sono, a lida, as aflições. O desejo incessante da vitória de Eros sobre Tânatos: encontrar a vida, adormecer os mortos, animar as mãos, brilhar os lábios. As formas ambivalentes do amor e o Outro estão no alicerce dessa casa, se projetam como vigas-mestras para a sustentação da vida: são imagens/mensagens inscritas em alto-relevo no livro de Ferrari.
.
(IN)CÔMODOS
Antes da demolição
Conseguimos fotografar
Como seria (trans)formada a memória
Nos (dois) quartos
Havia um equilíbrio
Entre (nosso) trabalho e descanso
A sala era o lugar da música
(in)tocada
De passagem e pouca permanência
Onde nossas so(m)bras repousavam
(Não) havia um quintal
O espaço foi preenchido
Incorporado à casa
(Des)coberto apenas pelo céu
Saudades daquela cozinha
Onde (nos) comíamos
Tantas vezes
Antes de entregarmos as chaves
Os pontos
Os papéis
Até a (in)tensa relação (re)partir-se
(FERRARI, 2022, p.55-56)
As imagens transfiguradas da demolição da casa material figurativiza o processo de desmoronamento da relação afetiva que ali um dia se estabeleceu. Entre parênteses estão a duplicidade, partes da história, fragmentos, pedaços da relação demolida, a negatividade da experiência amorosa, a inevitável separação, a cota de dano da relação.
FIM DOS DIAS
acabou-se o amor
os tempos são de outro trabalho
buscar a comida
preparar a cama
aquecer a água
clamar aos céus
acabou-se o amor
o sol queima como sempre
arde os olhos
seca a água
transforma a terra em pó
perfura a democracia
acabou-se o amor
e a bateria
o dinheiro
o tesão
a música
a paciência
acabou-se o amor
pegar em armas
passagem de ida
matar o inimigo
morrer de tristeza
longe de casa
acabou-se o amor
não percebemos
não festejamos
não choramos a sua ausência
nada fizemos
E o que restou tem outro nome
(FERRARI, 2022, p. 87-88)
Aqui observamos, como em outros poemas, uma aproximação intertextual com Drummond, que nos parece ser um poeta da predileção de Ferrari, tanto na forma quanto no conteúdo, E quando o tema é o amor essa aproximação é maior: o amor é do campo da positividade, quando se ausenta aparece o fim dos dias. O sentimento amoroso é que dá sentido à existência desde os afazeres mais cotidianos até os projetos sociais, comunitários, aos sistemas políticos. O amor tem sinônimos como fartura, liberdade, paz, alegria, eroticidade, é o nome da própria vida; o contrário disso está esparramado no campo semântico da morte: desamparo, escassez, guerra, ditadura.
O erotismo é sexualidade transfigurada: metáfora. A imaginação é o agente que move o ato erótico e o poético. E é a potência que transfigura o sexo em cerimônia e rito e a linguagem em ritmo e metáfora. A imagem poética é o abraço de realidades opostas, a poesia erotiza a linguagem e o mundo. Porque ela própria, em seu modo de operação, já é erotismo.
SOBRE O AMOR
Quando escrevo um poema pensando em você
Pauso a minha respiração
Sinto o cheiro da nossa cama
O gosto da sua pele
Cada palavra tem o som da sua voz
Invoco as memórias
Oculto versos
Fecho os olhos e sinto o futuro latejar
Porque os meus pensamentos ousam o ineditismo
E por um instante
Estou convicta do que será de nós
(FERRARI, 2022, p.41)
Da mesma forma, o erotismo é uma metáfora da sexualidade animal. E o que diz essa metáfora? Como todas as metáforas, designa algo que está além da realidade que lhe dá origem, algo novo e distinto dos termos que a compõem. O erotismo é alguma coisa diferente da mera sexualidade.
HAVER
Há amor
No tremor visível deste corpo
Quando ouve seu nome
Na memória imaginada de amanhã
Na espera sem expiração
No ato ousado apesar da ausência de coragem
Na despedida não premeditada
Na dança sem presença
No calor do corpo percorrido pelos lábios
No encontro de um sabor compartilhado
Na escuta ávida por mais
Na busca por um poema
Que fale por mim
(FERRARI, 2022, p.46)
A relação do poema com a linguagem é semelhante à do erotismo com a sexualidade. Também no poema a linguagem se desvia do seu fim natural. O poema já não aspira a dizer, e sim a ser. A poesia interrompe a comunicação como o erotismo a reprodução. A peculiaridade da poesia é inerente a seu exercício e é constante em todas as épocas e em todos os poetas.
FASCINAÇÃO
Esta bendita brasa
Que não se apaga e não incendeia
Que me prende a esta inquietação
permanente
Porque me deixa encantada
E não consigo parar de olhar
Adormeço de olhos abertos
O foco oscila
Por isso não movo a cabeça
Mesmo quando o corpo todo se contorce
Em resposta a uma palavra sua
Que rememoro quando anoitece
E o seu sussurro domina meu silêncio
Cultuo o calor
Materializado na metáfora não encontrada
Para contar desse amor
Que não posso agarrar porque queima
E nem afastar porque já me possui
Permaneço no limbo
Entre a história não vivida
E o desejo inédito de um amor
indizível
(FERRARI, 2022, p.49-50)
As afinidades da poesia e erotismo são evocadas como introdução a um assunto diferente, embora intimamente associada à poesia: o amor. Distinção de amor, erotismo e sexualidade: o ato erótico se desprende do ato sexual – é sexo e outra coisa. Não é estranha a confusão: sexo, erotismo e amor são manifestações do que chamamos vida. O mais antigo dos três, o mais amplo e básico, é o sexo. É a fonte primordial. O erotismo e o amor são formas derivadas do instinto sexual: cristalizações, sublimações, perversões e condensações. Que transformam a sexualidade e a tornam, muitas vezes, incognoscível.
DECLARAÇÃO
Tive cuidado ao proferir minhas palavras de amor
Sem ensaio
Com a timidez disfarçada pela maturidade
E com todo impulso da vontade de saber o que somos
Quando nos olhamos e surge este momento de suspensão
Como a espera do que nos escapa pela mão atingir o chão
E com toda esta intensidade
Tal qual o corpo engolido pelo gozo
Chego até a ansiar as flores que ganharei no meu velório
Porque o tempo se tornou irrelevante
E a vida soa infindável
Eu me tornei aquela que se sente
Suficientemente segura
De amar até depois de morta
(FERRARI, 2022, p. 83)
Submetidos à perene descarga elétrica do sexo, os homens inventaram um para-raios: o erotismo. Invenção equívoca, como todas as que idealizamos. O erotismo propicia a vida e a morte. Começa a se desenhar agora com maior precisão a ambiguidade do erotismo: é repressão e permissão, sublimação e perversão.
DESILUSÃO
Não há um sentimento predominante
Somente cargas elétricas que percorrem o corpo
E de repente estacionam no peito
E toda a ilusão
Que reluta em se dissolver
Primeiro apaga a memória construída na ficção
Depois rouba a história não vivida
Escamoteia os sonhos que nos traziam a nitidez
A decepção amorosa
Avesso da libido
Prensa o corpo contra a parede
E nos tira o descanso a brisa a fome a força
A arte adormece
E entramos em contagem regressiva
(FERRARI, 2022, p. 89)
O poeta de o Arco e a Lira se propõe a desenhar os limites entre o amor e as outras paixões como aquele que esboça o contorno de uma ilha num arquipélago. O que distingue o amor de outras paixões? Atração/escolha; liberdade/submissão; fidelidade/traição; alma/corpo. O verdadeiro assombro é a continuidade de nossa ideia de amor, não suas mudanças e variações.
AMOR DE POETA
A casa da esquina foi demolida
Tiraram todas as margaridas da praça
O vizinho de cima se mudou
Não percebi nada
Soube no elevador
E eu aqui assim
Perdida deliciosamente entre poemas
E no nosso dia
Recebo este de ti
Feito somente para mim
Leio e releio já de olhos fechados
E te escuto cantá-lo repetidamente
No dia das poetas
As palavras acendem os sons das letras
E todos os amores
Os eternos os frágeis hesitantes arrebatadores
Os que não chegaram
Os que ainda acontecerão
Tornam-se os meus amores possíveis
Que existem em mim em nós no tempo
Neste dia
Todos os versos são nossos
E todos os poemas falam de amor
(FERRARI, 2022, p.53-54)
A sexualidade é animal; o erotismo é humano. É um fenômeno que se manifesta dentro de uma sociedade e que consiste, essencialmente, em desviar ou mudar o impulso sexual reprodutor e transformá-lo numa representação. O amor também é cerimônia e representação, mas é alguma coisa mais: uma purificação, como diziam os provençais, que transforma o sujeito e o objeto do encontro erótico em pessoas únicas. O amor é a metáfora final da sexualidade – sua pedra de fundação é a liberdade: o mistério da pessoa.
TESTAMENTO
Para minha mulher eu deixo as minhas inspirações
São muitas e algumas muito belas
Você pode ficar com elas todas
Ou até distribui-las se esta for a sua vontade
Para o meu homem eu deixo as minhas músicas prediletas
Que você possa escutá-las quantas vezes desejar
São todas suas
TODAS somente suas
E para você meu grande amor
Deixo os meus sonhos
Que você possa absorvê-los sem pressa
Alguns hão de te surpreender
Como você a mim
Quando chegou perto e resolveu ficar
Até o fim agradeço por termos existido
Simultaneamente em alguns instantes
Que foram tão doces e tão poucos
(FERRARI, 2022, p. 82)
O amor é atração por uma única pessoa: por um corpo e uma alma. O amor é escolha; o erotismo, aceitação. Sem erotismo – sem forma visível que entra pelos sentidos – não há amor, mas este atravessa o corpo desejado e procura a alma no corpo e, na alma, o corpo. A pessoa inteira.
SE
Se eu ainda te amasse seria impossível
Escolher viver longe
Jogar fora as fotografias
Não responder as mensagens
Cortar os laços
Se eu ainda te amasse seria possível
Fazer de conta
Perdoar mais uma vez
Engolir o choro
Culpar-me pelo destempero
Estar doente
Se eu não soubesse se te amo seria possível
Adiar a decisão
Seguir com os diálogos intermináveis
Tentar novamente
Ausentar-me por algumas horas
Violar nosso acordo temporariamente
Como o que sinto
O que penso
O que espero
Está embrulhado e guardado
Irei diretamente ao ato
Apesar de não saber
Há o impulso que ciclicamente escancara a janela
(FERRARI, 2022, p51-52)
Eros é solar e noturno: todos o sentem, mas poucos o veem. Foi uma presença invisível para sua apaixonada Psiquê pela mesma razão que o sol é invisível em pleno dia: por excesso de luz. O duplo aspecto de Eros, luz e sombra, cristaliza-se em uma imagem mil vezes repetida pelos poetas da antologia grega: a lâmpada acesa na obscuridade da alcova.
AMORES NÃO POSSÍVEIS
Estive na varanda de onde era possível escutar o mar
Nas noites escuras ele se tornava ainda mais belo
A ausência de refrão na sua música
A repetição da chegada das ondas
Trazia delicada e discretamente
Compassos que reverberavam em mim
O ritmo da subsistência monótona
Fui embora quando quis sentir seu gosto
Imersa em suas águas abri os olhos
Que pela primeira vez se encheram desse antigo sal
E permaneci com seu rastro em minha boca
Mesmo depois do rio tirar da minha pele as marcas da maresia
Quando me despedi da varanda
Definitivamente
Soube que não abriria mais os olhos no fundo do mar
Entrar em suas águas frias de olhos fechados
Seria como morrer um pouquinho
Quis que o mar entrasse em minha casa e me levasse com ele
Desejei poder respirar em suas águas
E estar à deriva na sua imensidão
Sonhei em contemplar sua beleza com todos os meus sentidos entregues
Mas nunca soube como me repartir sem me apagar pelo caminho
Nos dias aflitos
Em que o mar recua e não consigo recordar o seu som
Preciso acreditar que a sua existência basta
Mesmo quando não o vejo e não sinto seu gosto
Porque sempre haverá algum olhar voltado
Para este mesmo mar
Que me deu a direção
Mas não me ensinou como alcançar o seu fundo
(FERRARI, 2022, p. 80-81)
O autor do livro Filhos do Barro sublinha que o verdadeiro amor consiste precisamente na transformação do apetite de posse em entrega. Pede reciprocidade e assim transforma radicalmente a velha relação entre domínio e servidão. A exigência de exclusividade é um grande mistério: por que amamos esta pessoa e não outra? Ninguém jamais pode esclarecer esse enigma, a não ser com outros enigmas, como o mito dos andróginos em O Banquete. O amor único é uma das facetas de outro grande mistério – a pessoa humana.
TEMPO DO AMOR
Uma cena é suficiente
Para entender o caos
Perder a cor
Perceber o ódio
Acalmar a dor
Em um segundo é possível
Enquadrar as nuvens
Acordar a memória
Querer voltar ao tempo
Testemunhar a história
Uma única palavra pode
Despertar o choro
Criar laço
Tornar-se inesquecível
Livrar-nos do cansaço
Encontrar A pessoa significa
Ocupar o pensamento
Atravessar o passado
Despertar o corpo
Desejar a eternidade
(FERRARI, 2022, p. 42-43)
O amor humano é o de dos seres sujeitos ao tempo e aos seus acidentes: a mudança, as paixões, a doença, a morte. Embora não nos salve do tempo, o entreabre para que, num relâmpago, apareça sua natureza contraditória, essa vivacidade que sem parar se anula e renasce e que, sempre e ao mesmo tempo, é agora e nunca. Por isso, todo amor, incluindo o mais feliz, é trágico.
FRONTEIRA
Todo humano há de guardar alguma sensibilidade
Às vezes somente na pele
Que marca mancha racha adoece
Corta coça arde rompe
Recebe frio e calor
Ampara o vento e a água
Nosso maior órgão
Guarda sentidos
Em camadas
De atrito e proteção
De elo entre o outro e o íntimo
De revelação da ancestralidade
Termômetro do tempo
Escultura da identidade
Na pele o poema deve ser escrito
Com tinta permanente
(FERRARI, 2022, 32)
O ESTADO DAS COISAS
As letras são poucas
Mas suficientes para dizer quase tudo
Meus amores são muitos
Mas insuficientes para o espaço-tempo disponível
A vida é breve em cada ser
Mas se alonga em sua transmissão contínua
Se pudesse mesmo criar algo extraordinário
As plantas teriam voz
(FERRARI, 2022, p. 33)
É uma aposta que ninguém tem certeza de ganhar por ser dependente da liberdade do outro. A relação de dependência na amor é a busca de uma reciprocidade livremente outorgada. O paradoxo do amor único reside no mistério da pessoa que, sem nunca saber exatamente a razão, se sente invencivelmente atraída por outra, excluindo as demais. Pela ponte do mútuo desejoso objeto se transforma em sujeito desejoso e o sujeito em objeto desejado. O amor é representado na forma de um nó, é preciso acrescentar que esse nó é feito de duas liberdades enlaçadas.
SÚPLICA
O teu colo já foi meu
Teu abraço a minha defesa
Os teus lábios o meu gozo
As tuas histórias minha memória
Meu corpo ainda é teu
Todas essas coisas
Teu lugar na cama
À mesa
Aguardo esta vida humana
Para que a promessa de eternidade
Posta em palavras há tempos
Prevaleça
E possamos ser o Antes
(FERRARI, 2022, p. 88)
Temos, enfim, que dar um desfecho nesse pequeno ensaio que provavelmente se tornaria uma dissertação, mas agora sou poeta e opto pela síntese do muito que ainda teria a dizer sobre a minha experiência de leitora de É tudo ficção na esteira da Dupla chama: amor e erotismo. Levo agora pelas andanças de mulher, poeta e ensaísta que não há amor sem erotismo como não há erotismo sem sexualidade. Amor sem erotismo não é amor e erotismo sem sexo é impensável e impossível.
Quase sempre, o amor se apresenta como uma ruptura ou violação da ordem social, é um desafio aos costumes e às instituições da comunidade. É uma paixão que, ao unir os amantes, os separa da sociedade. Uma república de apaixonados seria ingovernável; o ideal político de sua sociedade civilizada – nunca realizada – seria uma república de amigos, nos garante o imprescindível Octavio Paz. Ele enfatiza que o amor tem sido e é a grande subversão do Ocidente. Como no erotismo, o agente da transformação é a imaginação. Mas, no caso do amor, a mudança se dá em relação contrária: não nega o outro nem o reduz a sombra, mas é a negação da própria soberania. É o que nos ensina o Eros insubmisso nos versos de Flávia Ferrari!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Trad. Hortênsia dos Santos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.
FERRARI, Flávia. É tudo ficção. Editora Eu-i. Curitiba: 2022.
PAZ, Octavio. A dupla chama – amor e erotismo. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
1 O paratexto pode ser verbal, como são os casos dos nomes dos autores, dos editores, dos títulos e subtítulos, das dedicatórias, dos prefácios e posfácio, etc; ou icónicos, como as ilustrações, fotos, esquemas, etc. Relativamente à emissão, ele pode ser da autoria do autor, do editor ou de outra entidade, como um tradutor ou um especialista.
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